CHEIRANDO MAL, Wagner Martins (Conto)


CHEIRANDO MAL (Conto)


    “A Ferrari é do boy, mas a rua é do bandido, e quem lucra com isso é o que cobra para fazer a segurança. Como os políticos de hoje, precisam de nós sofrendo num caos social para se candidatarem a nossos salvadores da pátria. Bem que lamentou Karl Marx: aquele que por causa da sua necessidade, do medo, da desgraça inevitável tem que ser explorado, verá poucos gozando das riquezas naturais da Terra em cima das costas de muitos!” — Pensei, enquanto verificada o dinheiro nos dois bolsos.


    Sair, assim, de casa, deixando a esposa com a cara de cadela com aquela expressão: “Vai para onde sem mim?” Em vão.

Homens da laia do meu marido, fazem como os índios já fizeram, trocando barra de ouro por panela machucada: pois, podem gozar do conforto de seus lares, contudo, preferem a roda de machos fedorentos, ostentando fumos, garrafas e copos de cervejas nas mãos! Têm esposas dedicadas, com caráter de rainhas, porém, vivem como amaldiçoados, com vampiras mercenárias nos seus pescoços sugando até largarem somente de cueca, voltando como cachorra, depois de ter cruzado com uns dez, com o rabo entre as patas!” — Desabafou para o silêncio.


***


    — Aí, gente boa!


O receberam bem na roda da terapia social, lá em Binho, iniciando a sessão:


    — Percebam, a ironia dessa música! Esse verso, agora: “… Ela se jogou da janela do quinto andar, nada é fácil de entender…” Como não entender o óbvio? Os pais a criaram a vida toda como uma cachorra de madame, só que a filha precisava de ser, uma vez ou outra, uma vira lata, como num filme A Dama e o Vagabundo, sabem? Alguns genitores não educam os filhos, querem adestrar, e juram que agem assim por amor. Existe amor ditador? Deus é amor e nos criou com capacidade de aprender através da intuição, observação, experiência, como maneira de nos educar, certo? Exemplo: quem mantém sua mão no fogo até queimá-la? A maioria nem tenta, já que, já sabemos o resultado de tal tolice; mas se quisermos mão torrada, então, deixe-a. Isso é o livre-arbítrio, meus companheiros! É o amor de Deus por todos nós demostrado em nos ensinar o certo como também respeitando as nossas escolhas, afinal, tem sempre o idiota de mão enfaixada para ser o grande exemplo a não ser seguido, num é? — As gargalhadas foram como aplausos por essa sua teoria!


    — Encha novamente o copo. — Alguém mandou.


    Ali falam de tudo: política, filosofia, sociologia; Deus e o diabo; da esposa que se incomoda com tudo e crítica todo mundo; do vizinho que está sendo traído e não sabe; do tédio que é para muitos passar muitos anos fiel a mesma mulher; de bundas e seios. Principalmente sobre experiências sexuais para provar para si e aos demais quem é o mais homem. Estando todos a base da cachaça. Quando as discussões ficam calorosas, se acende o fósforo tudo vai pelos ares!

Como, porém, em todo paraíso terreno, esse também contém o fruto proibido para alguns: já vi pais de família, trabalhador, por se empolgarem em prová-lo irem devagar perder o amor-próprio, o respeito, o emprego, a companheira, os filhos, o abrigo até chegarem na sarjeta. Escolhendo mendigar de nós por mais uma dose, do que um prato de comida!

Como existem ainda os metidos a virarem bestas-feras, quebrando tudo que surge na frente, tendo como saco de pancada a primeira pessoa que enxergam, e quem é sempre a bola da vez? A mulher, é claro. (O interessante é que essa transformação só acontece da porta para dentro! Esses deveriam nem prenderem, pois, prisão é para bandidos de verdade; tinham que ser marcados como os gados, mas em suas testas com o nome COVARDE. Sei, contudo, se agirmos olho por olho, toda a humanidade terminará cega!)


    Nesse ambiente, chegou um, desconhecido do bairro:


    — Boa noite! — Todos só passaram o cabo de olho nele.


    — Boa noite! — Novamente a si mesmo anunciou, entretanto, só os grilos com dó, lhe respondeu, pois, os da sua semelhança lhe trataram pior que a um cachorro sarnento!


    — “Vaza, vaza, vazavazavaza! …” — Esse foi o pensamento deles como uma fervente oração. — Esse tipo de gente metido a educado nessa ocasião, a que lhe dar atenção, se aproxima, puxa uma conversa barata, depois, está bebendo, fumando, sem gastar 1 R$, ainda vai se gabando, porque ganhou o outro na lábia.


    No auge daquele disfarce, escutaram um barulho: um som que fez a pessoa que está mais perto daquele sujeito por mais que sentisse aquecida, devido à cachaça, sentir-se um frio tremendo, de um segundo para outro, como se já estivesse dentro da gaveta do necrotério! Um som que quando Neco logo percebeu-o, perdeu o controle da coordenação motora, seus dedos viraram mais afiados do que faca de açougueiro, a repartir o cigarro ao meio! Um som que impactou Rato ao ponto dele invés de derramar só um gole para o santo, o deixou embriagado! Aquele barulho, com o mesmo efeito do martelo do juiz, a anunciar o castigo daqueles que saem deixando para trás mil recomendações, e súplicas contrárias, mas vieram, porém, mesmo agora, pensam: “Que boca de praga daquela infeliz, jogou tantas que nessa vez uma realizou!”; teve também o que borrou as calças de bostas, por está, derrepentemente sob aquela pressão! Num instante, esse ficou sóbrio, quase como por um milagre, nunca café forte foi tão eficaz quanto em escutar essa específica soada!


    — Boa noite! — Pela terceira vez cumprimentou-os; mas, nessa, nada gentil, foi com arma engatilhada, apontada para seus rostos tortos de terror!


    — Boa noite!


    — Boa noite!


    — Boa noite!


    — Boa noite!


    — Boa noite!


    — Boa noite!


    — Boa noite!


    Eram tão afinados, tão sequenciados, nem se estivessem ensaiados, que lindo coral de medrosos ficou! Parece que pelo medo se consegue ter o melhor de nós!

O vagabundo nos roubou tudo. Só que, comigo, foi mais além, elogiou a minha calça; logo a minha, com todo dinheiro nos bolsos, pois, nem tinha ainda pagado nada! (nunca subestime o faro do ladrão, contudo, se quiser calos, além de chifres, com coronhadas de revólver, esqueça o meu aviso!)

***

    Alguns vieram para rua, olhar como eu corria para casa, com uma mão na frente e a outra atrás literalmente. Abri a porta e fui direto para o banheiro; as meninas ficaram assustadas com a minha chegada inesperada e de forma inédita: entrando somente de cueca lá de fora, com a expressão no rosto de quem viu assombração, tarde da noite. Passando um minuto de perguntas, como quem está no escuro numa casa nova tentando acender a lâmpada, sem respostas minhas, decifraram tudo. O odor de fezes de diarreia que incensou o ambiente inteiro! Essas pequenas evidências foram como pistas suficientes para elas (todas as mulheres têm o sétimo sentido, só que muitas ainda não sabem. Se o mais famoso detetive na ficção, Sherlock Holmes, fosse mulher, com certeza as suas histórias soariam em tons mais realísticos.) entenderam tudo que passou comigo e se sentiram vingadas devido as minhas muitas quebras de compromisso com essas que devo ser fiel em amar e em respeitar pelo resto da vida!


    A nossa sala de estar virou palco de teatro, a peça foi na hora improvisada e inspirada nesse episódio que vivi e encenada:


    1º Ato: Uma, batia a porta, com o queixo para cima e a cabeça quase batendo na bunda de tanta arrogância. A outra, vinha bebendo, tombando, hipnotizada, mirando o copo na mão, dando goles, como fosse um néctar dos deuses, a mais deliciosa bebida na Terra.


    2º Ato: Uma, com as mãos para cima, e a calça arriada, entregando-a para o assaltante, mais branco do que as nuvens, (com talco de bebê no rosto). Depois, todas correndo defecadas, olhando de um lado para o outro, de ponta de pé, com uma mão abrindo a porta, a outra, segurando as nádegas, e voando para o banheiro, iguais às cenas de desenho animados.

Tudo isso acontecendo entre zombarias e risadas; teve uma que soltou até piada para mim:


    — Viu meu pai, viu? Bem que mamãe diz direto para o senhor: quem vive nas calçadas, nas esquinas de rua pega rabuge!


- Wagner Martins


16 de junho/2022


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