BORBOLETA SAINDO DO CASULO, Wagner Martins (conto)


 

BORBOLETA SAINDO DO CASULO


— Mamãe, porque nasci assim, não tendo o meu igual ao dela? — Indicando o da criança brincando no parque da praça. — “E agora? Como vou responder essa pergunta tão difícil? Nunca me ensinaram nem um pouco sobre a causa, e que também é normal uma pessoa ser diferente da outra na aparência! Pensei que a gente já nascesse sabendo.”


— Filha, veja as flores nesse pequeno jardim! São todas iguais?


— Não.


— Mesmo assim, cada uma delas são bonitas?


— Sim, mamãe! Eu gosto dessa, daquela e também da de lá…


— Elas são diferentes, pois, o jardineiro plantou na terra vários tipos de sementes; igualmente contigo: seu pai veio, botou a semente dele aqui, e nesse modo nasceu você, linda e maravilhosa do jeito que é! — Sentindo crescente, por uns dois muitos, aquela sensação de triunfo pela maravilhosa e surpreendente (até para mim) resposta que dei; voltou a falar.


— Mas… será que posso voltar para sua barriga e vim de outro jeito, tendo feito o da senhora? - (O silêncio materno e os olhos lacrimejando foi a resposta que encerrou a conversa.)


***


Nesse fim de semana, nós duas passamos uma hora dentro do quarto, gostando de ficar assim, esse é o momento só nosso: eu, pintando o meu cabelo, dando um capricho nas unhas, nas maquiagens. Ela: num momento me mirando com uma expressão espontaneamente questionadora, comparando nós duas pelo espelho; noutro, traquinando, passando o esmalte nas unhas, até nos dedos. (amo pintá-lo, já que o meu não é pixaim, ruim. Não tenho muito trabalho em turbiná-lo, então haja cores nesse. Quando eu era criança entre sete até a uns dez anos de idade, sempre gostei de pensar que eu era Rapunzel com aquelas longas tranças; geralmente pedia para minha mãe penteá-me iguais aos das princesas, que assistia nos desenhos animados, nos estilos das moças nos seriados que retrata a época medieval. Sentia-me verdadeiramente a realeza, a mais bonita da sala de aula, e era tão convicta disso que as outras colegas puxavam as minhas tranças e zombavam de mim, me chamando de rabo de cavalo! Pura inveja, porque eu ganhava cartas, bombons dos rapazotes que me enamoravam. — (Nesse instante ficou suspensa da realidade, fugiu um leve sorriso de sua boca saboreando a imatura vingança feminina.)


***


—Você vai quebrar a televisão mudando de canal tanto assim.


— Estou procurando um desenho para assistir, mamãe!


— Têm tantos que você passa e repassa, mas não decide… olha aí! Esse é bom; você tem a boneca igual a ela, lembra?


— Sim.


— Então, por que não quer assistir?


— Não gosto…. Não gosto. Não gosto. E Não gosto. — (Em cada vez que ela confirmava, batia um pé no chão, e em cada vez que batia era com mais fúria.) Então, sem entender bem a causa disso, perguntei:


— Ei, ei! Diz para a mamãe qual é a razão de você não gostar dela? Ela é tão bonita! Dei para você quando a gente foi ao shopping, está lembrada?


— Foi mãaaaaaaaaaeeeeee… mas ela não se parece nem um pouco comigo! — (Bravejou sua indignação, marchando com tanta força, sem sair do lugar, suspendendo o brinquedo para perto do seu rosto, para eu constatar a gigantesca diferença de traços uma da outra; depois estraçalhando-o em mil pedacinhos! Silenciosamente devolvi o controle que antes tinha pego.)


***


“Existem coisas nessa vida que um adolescente não deveria nem pensar sobre ela, imagine fazer, mesmo vivendo num tempo onde tudo é permitido! Mas eu fiz. Agora a vida cobra atitudes que a minha pessoa, como me definiu a minha mãe ao saber que eu estava grávida: “um botão ainda desabrochando”, não tem a capacidade de respondê-la satisfatoriamente, principalmente por arcar sozinha uma responsabilidade que tem que ser para dois. Sendo dessa maneira, essa vida como agiota, vai acrescentando juros sobre juros de mais responsabilidades; por mais que eu ame a minha Jambo, luto para não me comportar como ela diante de muitas questões difíceis que surgem.” — Me assustei tendo essa reflexão tão madura, enquanto parei na porta, apreciando minha anja dormindo, tão vulnerária, dependente de mim para quase tudo! Sentir uma lágrima escorrer devagar no meu rosto, sentindo nascer uma nova mulher do meu íntimo.


***


— Acorda! Acorda filha! Bora, vou te arrumar para te levar para escola! — A menina levantou. Dei banho, lhe ajudei a vestir para ser rápido, mas o pentear do seu cabelo rebelde não tem atalho: é guerra de meia hora cronometrada travada entre pente, creme, muito movimento de braços, de cabeça, muitos gritos e choradeira para amansá-lo um pouco!


— Aiiiiiiiiii, maninha! — E haja chorar, espernear; perco logo a paciência.


— Tem que arrumar essa peste desse cabelo. Jogasse pedra da cruz? — (A ignorância achou pouco e entrou também nessa batalha!) — Que inferno! Tu vás ver o que vou fazer quando tu tiveres mais de idade: vou meter a química, chapinha nesse teu cabelo, vou amansar essa mata!


***


—Mamãe!


— Diga.


— Compra uma tinta branca para eu mudar a cor da minha pele!


— Que conversa troncha é essa, menina!?


— É que… na aula de hoje foi sobre a história de dois povos: cada um morava em lugares diferentes; um tinha arma como da polícia e do ladrão, o outro, era como a dos índios. Aí o que tinha arma mais forte, tinha a cor branca, parecida com a da senhora, roubou o outro, de cor como a minha só que muito mais escura, do lugar dele, depois, o deixou de castigo trabalhando sem parar, levando tudo que tem de bom daqui, mamãe, de onde moramos! Quem ficava muito cansado, sem força para continuar, apanhava de chicote de cavalo na frente de todos! As pessoas brancas queriam que as negras, sem querer, trabalhassem para eles obrigados e até morrer!


— Sim, mas o que você quer dizer com isso?


— Eu não quero trabalhar até morrer. Eu não quero apanhar nas ruas ou ir presa e todo mundo ver pela televisão. Tenho que mudar de cor, logo, mãeeeeeeee…!


***


Passaram-se uns sete anos, mas aquela conversa que tive com a minha filha, sobre a forma, e a razão da gente ser exteriormente como a gente é, ficou marcado na minha lembrança. Durante esse tempo, o pai dela, e a família dele, se achegaram mais e mais da menina dos meus olhos; creio que a consciência paterna começou a desenvolver nele; o ciúmes quis dominar-me, mas não a fiz só, apesar de tê-la criado até aqui, contando com esse só em termo financeiro, e mesmo assim, precariamente. Que sufoco que nós duas passamos! Se não fosse a minha mãe…! Foi ela que muitas vezes, nos socorreu, mesmo tendo frustrada, por mim, a expectativa que ela alimentava de um futuro, que é hoje, para sua filha! Tantos sermões ouvia, mas, o que adiantava? Eu também não estava preparada, mesmo assim, não corri de criar e educar mesmo sentindo a todo instante o medo de cometer um erro fatal.

As idas a casa dos seus descobertos parentes só lhe acrescentou na sua formação pessoal, na forma dela ver o mundo, principalmente a se própria, fazendo sair do casulo e voar como borboleta a sua autoestima que a muito só arrastava como lagarta! Algumas tias paternas têm também cabelo crespo, são lindas negras com o charme da noite escura, e fazem uns penteados mais lindos que o outro, (confesso que quando as encontro fico um pouco surpresa, pois é raro de ver, assim, onde convívio, na televisão, etc…!) embarcando, também, minha filha nessa viagem, por essa chamada: “beleza afro brasileira” Que eu nem sabia onde comprava a passagem!


- Wagner Martins


3 de junho/2022

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